segunda-feira, 28 de setembro de 2015

CRÍTICA CINEMATOGRÁFICA: "QUE HORAS ELA VOLTA?"

"Que horas ela volta?" – interessante filme de Anna Muylaert. Outros filmes recentes abordam o tema das relações patrões-empregados domésticos e a situação de mães que deixam seus filhos para cuidar dos filhos de outras pessoas por necessidade. Esses filmes são: "Domésticas" (2001), de Fernando Meirelles, e o chileno "A Criada" (2009), de Sebastián Silva. Todos mostram, a seu modo, que há uma teia de hipocrisias nas relações de fachada entre patrões e empregados e situações de sacrifícios familiares, mas acabam construindo um libelo quase unilateral, tendente a um maniqueísmo que aponta culpas (do tipo 'patrão ruim' x 'empregado bom'). Nas avaliações ao filme de Anna Muylaert, alguns dizem tratar-se de uma denúncia das tentativas frustradas de conciliação de classe. Mas o antagonismo entre pessoas por razões de classe é ou deveria ser absoluto? Não há possibilidade de cooperação genuína entre pessoas – mesmo em relações econômicas desiguais? E será que o mundo e a história se resumem mesmo à luta permanente, inevitável e implacável entre pessoas divididas em classes ou há, de fato, situações intermediárias em que ocorre cooperação, seja por necessidade ou mesmo espontânea? O que se critica, a meu ver, são os estereótipos, mas incidindo, em alguns momentos, em outros. Nesse aspecto, o filme "Que horas ela volta?" parece ser o mais tendente a unilateralizar as fontes de conflitos e a visão negativa dos patrões - colocados como alienados burgueses hipócritas, meio desalmados ou insanos. Nos filmes de Meirelles e Sebastián Silva, todavia, essa relação parece mais diluída, fluida e variável.

O outro foco do filme é a situação de mães que deixam outras pessoas cuidando de seus filhos por razões diversas - seja por necessidade financeira ou por tentarem seguir seus sonhos e carreiras. Nesse aspecto, acho o roteiro de "Que horas ela volta" (“The Second Mother”, em Inglês) bem construído, ao mostrar que a própria filha da empregada, que fora deixada pela mãe em outro estado (e que por isso se acha no direito de julgá-la), acaba repetindo-a. A mãe do menino rico também não tem tempo para lhe dar afeto na mesma medida que a empregada, que está sempre em casa e compensa a ausência da filha dedicando atenções especiais ao filho da patroa – demostrando que tal problema não seria exclusivo das classes mais baixas – embora seja apresentado num caso como necessidade, e, em outro, como mera opção. Pontos fortes do filme? As atuações dos cinco co-protagonistas (Regina Casé, Camila Márdila, Karina Teles, Lourenço Mutarelli e Michel Joelsas), com destaque para Regina e Camila, além de situações bem boladas de humor crítico e alguns momentos dramáticos específicos mais líricos ou densos (a fórmula não é nova, mas funciona!). Fotografia e cenários criativos e bem cuidados e ritmo de ação que consegue manter a atenção do público em alta. O filme vale como reflexão e exercício crítico e poético. 

Flávio B.Prieto






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