quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

HERÓIS, TRAIDORES E TIRANOS

INCONFIDÊNCIA MINEIRA - 1789
Carta-denúncia de Joaquim Silvério dos Reis:
 
Ilmo. e Exmo. Sr. Visconde de Barbacena

Meu Senhor: - Pela forçosa obrigação que tenho de ser leal vassalo à nossa Augusta Soberana, ainda apesar de se me tirar a vida, como logo se me protestou na ocasião em que fui convidado para a sublevação que se intenta, prontamente passei a pôr na presença de V. Exa. o seguinte:
 
Em o mês de fevereiro deste presente ano; vindo da revista do meu Regimento, encontrei no arraial da Laje o Sargento-Mor Luís Vaz de Toledo; e falando-me em que se botavam abaixo os novos Regimentos, porque V. Exa. assim o havia dito, é verdade que eu me mostrei sentido e queixei-me ao sargento-mor: me tinha enganado, porque em nome da dita Senhora se me havia dado uma patente de coronel, chefe do meu Regimento, com o qual me tinha desvelado em o regular e fardar, e muita parte à minha custa e que não podia levar à paciência ver reduzido à inação o fruto do meu desvelo, sem que eu tivesse faltas do real serviço; e juntando mais algumas palavras em desafogo da minha paixão. Foi Deus servido que isso acontecesse para se conhecer a falsidade que se fulmina.
 
No mesmo dia viemos dormir à casa do Capitão José de Resende; e chamando-me a um quarto particular, de noite, o dito Sargento-Mor Luís Vaz, pensando que o meu ânimo estava disposto para seguir a nova conjuração pelos sentimentos e queixas que me tinha ouvido, passou o dito sargento-mor a participar- me, debaixo de todo o segredo, o seguinte:

Que o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, primeiro cabeça da conjuração, havia acabado o lugar de ouvidor dessa Comarca, e que, isto posto, se achava há muitos meses nessa vila, sem se recolher a seu lugar da Bahia, com o frívolo pretexto de um casamento, que tudo é idéia porque já se achava fabricando leis para o novo regime da sublevação que se tinha disposto da forma seguinte:

Procurou o dito Gonzaga o partido e união do Coronel Inácio José de Alvarenga e do Padre José da Silva e Oliveira, e outros mais, todos filhos da América, valendo-se para seduzir a outros do Alferes (pago) Joaquim José da Silva Xavier; e que o dito Gonzaga havia disposto da forma seguinte: que o dito Coronel Alvarenga havia mandar 200 homens pés-rapados da Campanha, paragem onde mora o dito Coronel; e outros 200, o dito Padre José da Silva; e que haviam de acompanhar a este vários sujeitos, que já passam de 60, dos principais destas Minas; e que estes pés-rapados, haviam de vir armados de espingardas e facões, e que não haviam de vir juntos para não causar desconfiança; e que estivessem dispersos, porém perto da Vila Rica, e prontos à primeira voz; e que a senha para o assalto haviam ser cartas dizendo tal dia é o batizado; e que podiam ir seguros porque o comandante da Tropa Paga, tenente-coronel Francisco de Paula, estava pela parte do levante e mais alguns oficiais, ainda que o mesmo sargento-mor me disse que o dito Gonzaga e seus parciais estavam desgostosos pela frouxidão que encontravam no dito comandante e que, por essa causa, se não tinha concluído o dito levante.
 
E que a primeira cabeça que se havia de cortar era a de V.Exa. e depois, pegando-lhe pelos cabelos, se havia de fazer uma fala ao povo que já estava escrita pelo dito Gonzaga; e para sossegar o dito povo se havia levantar os tributos; e que logo passaria a cortar a cabeça do Ouvidor dessa vila, Pedro José de Araújo, e ao Escrivão da Junta, Carlos José da Silva, e ao Ajudante-de-Ordens Antônio Xavier; porque estes haviam seguir o partido de V. Exa. e que, como o Intendente era amigo dele, dito Gonzaga, haviam ver se o reduziam a segui-los; quando duvidasse, também se lhe cortaria a cabeça.
 
Para este intento me convidaram e se me pediu mandasse vir alguns barris de pólvora, o que outros já tinham mandado vir; e que procuravam o meu partido por saberem que eu devia a Sua Majestade quantia avultada; e que esta logo me seria perdoada; e quê, como eu tinha muitas fazendas e 200 e tantos escravos, me seguravam fazer um dos grandes; e o dito sargento-mor me declarou vários entrados neste levante; e que se eu descobrisse, se me havia tirar a vida como já tinham feito a certo sujeito da Comarca de Sabará. Passados poucos dias fui à Vila de São José, aonde o vigário da mesma, Carlos Correia, me fez certo quanto o dito sargento-mor me havia contado; e disse-me mais: que era tão certo que estando o dito pronto para seguir para Portugal, para o que já havia feito demissão da sua igreja a seu irmão, o dito Gonzaga lhe embaraçara a jornada fazendo-lhe certo que com brevidade cá o poderiam fazer feliz, e que por este motivo suspendera a viagem.

Disse-me o dito Vigário que vira já parte das novas leis fabricadas pelo dito Gonzaga e que tudo lhe agradava menos a determinação de matarem a V. Exa. e que ele, dito Vigário, dera o parecer ao dito Gonzaga que mandasse antes a V. Exa. botá-lo do Paraibuna abaixo e mais a Senhora Viscondessa e seus meninos, porque V. Excia. em nada era culpado e que se compadecia do desamparo em que ficavam a dita senhora e seus filhos com a falta de seu pai; ao que lhe respondeu o dito Gonzaga que era a primeira cabeça que se havia de cortar porque o bem comum prevalece ao particular e que os povos que estivessem neutros, logo que vissem o seu General morto, se uniriam ao seu partido.

Fez-me certo este Vigário, que, para esta conjuração, trabalhava fortemente o dito Alferes Pago Joaquim José, e que já naquela comarca tinha unido ao seu partido um grande séquito; e que cedo havia partir para a capital do Rio de Janeiro a dispor alguns sujeitos, pois o seu intento era também cortar a cabeça do Senhor Vice-Rei; e que já na dita cidade tinham bastante parciais.

Meu senhor, eu encontrei o dito Alferes, em dias de março, em marcha para aquela cidade, e pelas palavras que me disse me fez certo o seu intento e do ânimo que levava; e consta-me, por alguns da parcialidade, que o dito Alferes se acha trabalhando este particular e que a demora desta conjuração era enquanto se não publicava a derrama; porém que, quanto tardasse, sempre se faria.

Ponho todos estes tão importantes particulares na presença de V. Exa. pela obrigação que tenho de fidelidade, não porque o meu instinto nem vontade sejam de ver a ruma de pessoa alguma, o que espero em Deus que, com o bom discurso de V. Exa., há de acautelar tudo e dar as providências sem perdição de vassalos. O prêmio que peço tão somente a V. Exa., é o rogar-lhe que, pelo amor de Deus, se não perca a ninguém.

Meu senhor, mais algumas coisas tenho colhido e vou continuando na mesma diligência, o que tudo farei ver a V. Exa. quando me determinar. Que o céu ajude e ampare a V. Exa. para o bom êxito de tudo. Beijo os pés de V. Exa., o mais humilde súdito.

Joaquim Silvério dos Reis, Coronel de Cavalaria dos Campos Gerais.

Borda do Campo, 11 de abril de 1789.
 
(Nota: Em 29 de janeiro de 1790, o delator Joaquim Silvério dos Reis é libertado da prisão na Ilha das Cobras, sendo posteriormente recompensado com o perdão das dívidas, uma pensão vitalícia, um cargo público em Minas Gerais, uma mansão e condecorações)
 
 
Joaquim Silvério dos Reis
 
Obs. Facsímile da carta de Silvério, disponível em: http://www.novomilenio.inf.br/festas/mineira2.htm

2 comentários:

  1. Talves se não tem este traira, o Brasil fosse diferente hoje.

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    1. Aposto que ainda veremos a direita arranjar um meio de aliviar a prisão de Jefferson e premiá-lo de algum modo, também. O paralelo é inconfundível.

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