O PROCESSO DE RECONVERSÃO FORÇADA À DIREITA DA AMÉRICA LATINA
Processo semelhante ao que ocorreu na
América Latina nos anos 60, 70 e 80 se repete agora (como farsa?), com a volta do discurso conservador e a eclosão de governos de direita no continente, após pesadas campanhas para
derrocar governos redistribuidores de renda e acesso aos bens sociais. Assim
ocorreu na Argentina, com a eleição do opositor Maurício Macri, após duras
campanhas nas quais se acusava veladamente o governo de Cristina Kirchner de
ser autor ou co-autor da morte de um promotor de justiça (caso Nisman) e de
numerosas marchas contra a inflação e supostas corrupções. Assim também ocorreu
no Brasil, com a deposição ardilosa da presidenta legitimamente reeleita em
2014, Dilma Roussef, após numerosas marchas, batalhas judiciais, midiáticas e
congressuais. Em ambos os casos, o capital e os meios de comunicação
conservadores e hegemônicos tiveram participação decisiva em induzir a
população e os detentores de cargos representativos e de controle institucional
a se colocarem publicamente ou atuarem contra os governos progressistas de
Cristina e Dilma. O método deu certo: o grupo político de Cristina não
conseguiu eleger Scioli, candidato que se colocou como independente apesar de
estar no mesmo espectro político que Cristina, e no Brasil pós-golpe, em recentes
eleições municipais, a direita obteve vitória por larga margem, enquanto
processos judiciais para tentar anular o golpe contra Dilma vão se arrastando sem perspectivas favoráveis no Judiciário cooptado. O caso Nisman e a algazarra sobre ‘crise’ foram
parcialmente sepultados pela mídia (como seria de se esperar) e as
marchas de direita anti-corrupção, anti-inflação e anti-desemprego, tanto no Brasil quanto na Argentina, cessaram
completamente – embora a corrupção, inflação e desemprego não tenham cessado e
nem reduzido seu ritmo. A palavra ‘crise’, utilizada igualmente contra Cristina
e Dilma (seja no sentido político ou econômico) deixou de ter a força negativa
que tinha e passou a ser vista como fato corriqueiro pela mídia
colaboracionista, ou mesmo como pretexto para medidas de austeridade fiscal e
econômica. A retirada sumária de direitos e anúncios da venda de ativos
importantes, aliados à manutenção das mazelas anteriormente criticadas, parece
ter servido como um balde de água fria para a parcela da população que antes
queria acreditar que uma simples mudança de governo lhes traria um país melhor
e maiores perspectivas em suas vidas pessoais. E a estratégia da mídia de apoio
a esses governos de dizer que agora tudo melhorara ou melhoraria em breve
deixou de funcionar com a incapacidade dos mesmos em impedir o aparecimento de numerosos
escândalos envolvendo pessoas de suas hostes e de controlar inflação,
desemprego, desequilíbrios públicos e desvios. Na Venezuela, a oposição também
logrou importante vitória ao conquistar 2/3 dos assentos da Assembleia
Nacional, de onde passou a exercer uma oposição política ao governo Maduro –
antes exercida na mídia, nas ruas e na guerra econômica (guarimbas, boicote econômico,
desabastecimento). Também lá o binômio capital e mídia assume um papel
preponderante na mobilização popular contra o governo, com campanhas
permanentes para desestabilizar o governo popularmente eleito, mas sem obter o
êxito desejado.
Em todos os casos acima, o aporte de
recursos e de apoios de diversos tipos dos ‘institutos pela democracia’ e ‘livre-mercado’,
uma miríade de organismos internacionais ligados a governos de países do centro
do sistema político e econômico internacional como Estados Unidos e Alemanha.
De volta aos anos 60, 70 e 80?
Flávio B. Prieto da Silva
Rio de Janeiro, novembro de 2016