Existe
uma grande manipulação em se questionar insistentemente o montante da dívida
pública de um país: embora de fato o pagamento da dívida pública aproprie parte
considerável do orçamento da União no Brasil, sua existência se deve ao fato
de que nenhum governo mantém encaixe suficiente para movimentar toda a máquina
pública, já que não existe coincidência absoluta entre despesas e receitas, em
termos de montantes e de cronograma, a cada momento dado. Então, na realidade,
a dívida possibilita viabilizar todas as outras rubricas e os investimentos
necessários em um determinado período ou ciclo de governo, já que seu valor inclui
o que foi pego e efetivamente investido ou gasto em cada setor e o custo
financeiro disso.
Tentar
comparar o montante do que é pago a título de dívida com o que é gasto em cada
rubrica específica é como comparar o custo do financiamento de um carro para
uma família com o total gasto em sorvetes, livros ou em cinema por essa mesma
família. É inépto e inútil, a não ser que se queira discutir a necessidade e
validade efetiva de se ter um carro em contraposição às outras opções
apresentadas e possíveis. A única coisa que tem relevância aí seriam as
condições de solvabilidade, o perfil da dívida e dos juros, e saber como foram
gastos os recursos, se o gasto foi eficaz e necessário socialmente ou não, além
da relação entre o montante de dívidas e de receitas do grupo considerado (ou
seja, a relação entre ingressos e despesas totais, no caso de uma família, e a
relação Dívida/PIB no caso de um país, a qual indica solvabilidade - e que
melhorou consideravelmente, em pouco mais de uma década, no Brasil).
Auditoria-cidadã
da dívida não existe, é uma proposta demagógica ligada a um partido: a maior
parte dos cidadãos não tem a formação contábil, política ou econômica
necessária que lhes permita analisar de maneira consciente e lúcida a intrincada questão
da dívida pública, que além dos aspectos puramente técnicos de origem contábil
e financeira inclui outros, envolvendo importantes escolhas políticas e
imposições legais. Então, serão conduzidos por algum guru que lhes submeterá
algum ponto de vista pré-fabricado, o qual poderá ser manipulado à vontade
(como é feito, de fato).
Fica
aqui uma pergunta: por que razão o principal partido que apoia essa iniciativa
no Brasil não fez auditoria-cidadã da dívida municipal em Macapá, cidade que
governa? Lá isso não se aplica, lá não vale? Só vale para os que se considera
como 'inimigos políticos', ou só para um ente federativo específico, a União?
Sim, é isso que afirmo: a questão aqui é política e não técnica ou puramente
cidadã, como se pode notar. Se não fosse, reconheceriam que o perfil da dívida
melhorou em termos de extensão de prazos, redução de taxas e garantias, bem
como o valor da relação Dívida/PIB, que era superior a 50% em 2002 e hoje beira
a 34% apenas, se contabilizada pelo critério da DLSP (Dívida Líquida do Setor
Público).
Obs.:
A relação Dívida/PIB dos E.Unidos é de 360%, ou seja, devem 3 vezes e meia mais
que o PIB, segundo Stephen Kanitz, mas como é uma dívida de longo prazo e sua
exigibilidade total só se dá em algumas décadas, nesse caso a relação, em
termos absolutos, não tem grande relevância. A posição brasileira, no entanto,
é bastante mais confortável.
Obs.2:
O conceito de Dívida Pública, ou Dívida Pública Federal, inclui a dívida
interna e externa em nome da União.
Obs.3: Dívida, como algo
que se tem que pagar por algum bem, serviço ou empréstimo adquiridos, é
contraprestação e não gasto. Se contrai, não se gasta. Se paga para manter o
crédito e para não sofrer alguma retaliação ou punição jurídica. Embora seja um
gasto contábil, é algo que se paga por algo que se recebeu ou contratou.
Obs.4: Uma parte importante dos compromissos financeiros do Brasil se relacionam a títulos emitidos pelo Tesouro Nacional, cuja venda é feita em bolsas, gerando receitas de curto prazo. Hoje em dia os títulos brasileiros têm boa cotação no mercado interno e internacional, apesar de muitos terem sido desindexados da Selic.
F.Prieto
Olá, parabéns pelo texto! É sempre bom uma opinião divergente sobre qualquer matéria. Citei seu texto lá no meu blog. Grande abraço, Itárcio.
ResponderExcluirValeu, Itárcio. Obrigado por sua visita e pela força!
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